terça-feira, 12 de agosto de 2014

TEMOS QUE REALIZAR OBRAS COM RAPIDEZ


ZERO HORA 12 de agosto de 2014 | N° 17888


ENTREVISTA DILMA ROUSSEFF


“Temos de realizar obras com a rapidez de que o Brasil precisa”




Eram 12h30min quando a presidente Dilma Rousseff entrou sorridente na biblioteca do Palácio da Alvorada para participar do primeiro Painel RBS Especial com os candidatos a presidente da República. Vestindo um blazer que definiu como de cor “rosa chiclete”, tomou duas providências antes de iniciar a entrevista: bebeu água de coco com um canudinho “para não estragar o batom” e colocou soro no nariz, para enfrentar a secura de Brasília. Àquela hora, a umidade relativa do ar era de 25%.

– Se não fizer isso, sangra – explicou.

Dilma começou a entrevista reafirmando o compromisso de orientar sua base no Senado a votar, em novembro, o projeto que reduz o juro e altera o índice de correção do saldo da dívida dos Estados. Justificou que a mudança é necessária para adequar o contrato à situação da economia, que hoje tem juros mais baixos do que à época da renegociação, no governo de Fernando Henrique Cardoso.

A presidente descartou a possibilidade de alterar o percentual de comprometimento da receita com o pagamento da dívida e criticou, sem citar nomes, os candidatos Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), que acenam com a redução. Disse que não dá para fazer dois discursos – um para o mercado, prometendo aumento do superávit primário, e outro nos Estados, acenando com a redução.

Na última pergunta, sobre a possibilidade de demitir a presidente da Petrobras, Graça Foster, se o Tribunal de Contas da União decidir pelo bloqueio dos bens dela, disse que é inadmissível o que os adversários estão fazendo com a empresa. Elogiou Graça Foster e disse que ela está pagando por seus acertos, não pelos erros.

A seguir, os principais pontos da entrevista concedida aos jornalistas Carolina Bahia, Moacir Pereira e Rosane de Oliveira.

Índice de correção da Dívida dos Estados

No que depender do governo federal, o projeto que altera o indexador (índice que reajusta o valor do saldo da dívida) será votado depois do processo eleitoral. Por que enviamos esse projeto ao Congresso? Quando a renegociação da dívida dos Estados com a União foi feita, lá atrás, o indexador tinha a ver com o fato de que a taxa média de juro estava em torno de 27% no governo Fernando Henrique, com um pico de 45%. No governo do presidente Lula, tivemos um decréscimo tanto na taxa de juro nominal como na real. Hoje, temos juro básico de 11%. A gente tinha de transferir para Estados e municípios o ganho com essa queda e com a redução da dívida líquida sobre o PIB do país, que era 60%, no final do governo Fernando Henrique, e hoje está em 34,35%. Isso foi muito importante, porque, antes de mandarmos esse projeto para a Câmara, concebemos que seria muito melhor a gente fazer uma redução na taxa de juro do que uma redução nos pagamentos da dívida, como preconizaram alguns dos meus adversários ao chegarem no Rio Grande do Sul. Causa estranheza o seguinte: todos eles falam em elevar o superávit primário. Não tem como elevar o superávit primário reduzindo pagamento de dívida. Tem algum falando para o mercado uma coisa e para a sociedade outra.

Comprometimento da receita com a dívida

Não é uma discussão para depois da eleição (a redução do percentual de comprometimento da receita do RS com o pagamento da dívida de 13% para 9%). É para o futuro, porque o país tem de ter responsabilidade fiscal. Então, faremos essa discussão quando for oportuno. O que está no Congresso e que nós nos comprometemos a aprovar é justamente essa redução da taxa Selic. Agora, no que se refere a investimentos, é bom notar o seguinte: desde 1998, o Rio Grande do Sul não tinha um processo de investimento. Em 1998, fizeram uma renegociação da dívida, e a capacidade de investimento do Estado se tornou pouco significativa, R$ 290 milhões. Em 2008, fizemos uma reestruturação da dívida, em torno de R$ 1,9 bilhão foram reestruturados, mas não houve também aumento de investimento. No meu governo, a partir de 2011, ampliamos a capacidade de investimento em R$ 4,7 bilhões, sendo que, desse valor, entre R$ 2,4 bilhões e R$ 2,9 bilhões foram financiamentos dos bancos públicos, BNDES e Banco do Brasil, e o restante foi do Banco Mundial. Além disso, também aceitamos o pagamento de uma questão que estava há anos para ser paga, que era a dos R$ 3 bilhões da CEEE. Ou seja, a Companhia de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul tinha um pleito por conta de resultados a compensar, chamada CRC. Ocasionalmente, quem entrou contra a União fui eu quando era secretária de Energia do Estado. E interrompemos um contencioso de anos fazendo um acordo com o Estado. O Estado, a partir daí, teve mais R$ 3 bilhões, e nos termos do acordo do pagamento, era para investimento. Então, totalizando R$ 7,7 bilhões pela primeira vez em 12 anos. Acho que isso contribuiu muito com as taxas de crescimento acima da média.

Atraso nas obras de infraestrutura

Tem várias coisas que atrasam muito. Todo santo dia ficamos inconformados com o atraso nas obras. A gente corre atrás. O Brasil tem vários mecanismos, o próprio processo licitatório, que agora é feito sob RDC (regime diferenciado de contratações), melhorou muito o tempo de rea- lização da obra. Antes, não havia projeto. Você depende de projeto básico, de projeto executivo, EIA-Rima, depois você tem o licenciamento da licença prévia, da LI e da licença de operação, a LO. Você tem um cronograma a ser realizado. Posso dizer que nós realizamos obras que ninguém esperava. A BR-448 (Rodovia do Parque), que é extremamente complexa, feita inteirinha sobre viaduto. É uma obra que tira o tráfego da estrada que causava maior mortandade no Rio Grande do Sul (BR-116). Nós entregamos a 448. Houve atraso? Sim, porque teve problema de licenciamento e de engenharia.

Burocracia

Uma das questões fundamentais para o meu próximo governo é simplificar os processos de realização de obras. Não estou dizendo aqui para não fiscalizar e não respeitar o ambiente, mas para você poder realizar as obras de que o Brasil precisa com a rapidez de que o Brasil precisa.

Investimento em aeroportos regionais

Há vários casos de parcerias, dependendo do tamanho do aeroporto. Fizemos um estudo, uma contratação via Banco do Brasil, e também agora os projetos para poder fazer a licitação. A primeira será a seguinte: não é o governo que faz a obra, é o setor privado. Ou seja, nós vamos contratar pessoas que vão investir. Em alguns aeroportos – geralmente os que têm mais capacidade de gerar demanda, em cidades médias significativas –, podemos inclusive fazer com que a administração seja por concessão. Agora, um aeroporto menor não vai ser por concessão porque não vai ter interessado. Há cidades médias em que temos parcerias com governo do Estado. Vamos discutir com o governo dos Estados para ver o que eles preferem. Não há dúvida de que Gramado tem demanda. Temos de avaliar se é possível fazer concessão ou se faremos sob forma de obra pública, e o município ou quem o Estado considerar será o administrador. Acredito muito na administração, quando é viável, na parceria público-privada (PPPs).

Parcerias público- privadas em presídios

Acho que pode. Agora, isso não é função do governo federal decidir. A decisão deve ser dos órgãos estaduais. O sistema penitenciário, em que pese a gente fazer financiamento e colocar dinheiro para ajudar os Estados a fazer presídios, a decisão de investir é deles. Fizemos parcerias muito boas com o governador Raymundo Colombo (SC) e com o governador Tarso Genro. Acredito que em vários segmentos a PPP é fundamental. Vou te dar um: saneamento. Acredito que grandes obras de saneamento vão precisar de recursos do governo federal, do governo do Estado e, em alguns casos, até da própria prefeitura, quando tem porte, e do setor privado. Já vi várias PPPs dando certo na área de saneamento. A vantagem da PPP é que as regras de administração são aquelas que são características do setor privado. Então, tem menos burocracia, enfrenta menos problemas e, em alguns casos, tem mais agilidade.

DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS

Quando estive na CNA (Confederação Nacional da Agricultura, para uma sabatina), debati essa questão. O Brasil teve um processo muito significativo de demarcação do território no que se refere às áreas indígenas. Hoje, há um conflito entre áreas que tem a titulação, muitas vezes dada pelo próprio agente público, e as populações indígenas. Isso não se resolve judicializando, sem negociação. Aí tem várias hipóteses. Uma é a adoção de políticas que impliquem criar condições de realocar os indígenas ou os pequenos proprietários, que hoje não existe. Nos lugares em que isso aconteceu, como no Mato Grosso, e que teve esse procedimento de desapropriação e onde se sentou para negociar com todos os interessados, as coisas se encaminharam. Acho que essa é uma questão que se resolve no diálogo. Não existe no mundo, em nenhum lugar com população indígena de dimensão, sem diálogo, sem respeito às partes.

Prazos para expedição de licenciamentos

Ninguém dentro do governo federal pode não ter prazo. Todos nós temos de ter prazo. Quando cheguei ao governo, em 2003, não havia prazo para o Ibama. Foi uma longa discussão, um longo processo, porque, muitas vezes, os órgãos acreditam que ter prazo é uma interferência na atividade deles. Não é. Pelo contrário, ter prazo é característico da administração pública. Como presidente da República, tenho prazo. Todos os agentes públicos têm de ter prazo, é uma questão de respeito à população.

Combate à corrupção

Se você tem uma prática de pegar o tapete e esconder debaixo dele todos os malfeitos, todos os atos criminosos, todas as ações de corrupção, se o procurador-geral da República é chamado de engavetador geral, se a Polícia Federal não tem autonomia, você não vai ter casos sistemáticos de investigação, de punição e de evidências de que existe corrupção. O que fizemos foi criar todo um mecanismo de investigação. Hoje, a Polícia Federal tem autonomia de investigar, nós respeitamos a autonomia do Ministério Público Federal – acabou o engavetamento, criamos o Portal da Transparência, fortalecemos a Controladoria-Geral da União, que virou ministério e tem nível de apoio do governo total. Nós criamos todo um mecanismo que investiga o crime organizado, a lavagem de dinheiro, é integrado entre várias partes. Acredito que tivemos, sem sombra de dúvida, uma relação muito mais transparente, muito mais firme com a questão da corrupção. Por isso, aparece mais casos. Acredito muito que as instituições têm de ser virtuosas. Assim, os homens e as mulheres também serão virtuosas. As instituições têm de estar prontas para descobrir, investigar e punir, porque uma das piores coisas que tem é a impunidade. Se a pessoa considera que há impunidade, ela tem um incentivo implícito em cometer o delito.

Impunidade no país

Acho que todas as pessoas deste país que têm um compromisso com o Brasil têm de ficar incomodadas. Sempre acho que podemos fazer melhor. Você não pode fazer essas comparações. No passado, não aparecia porque não se investigava. A partir do governo Lula, isso foi feito. Todas essas construções começaram no governo Lula. Equipamos a Polícia Federal, que hoje dispõe de homens, recursos e equipamentos. Acho também que todos os órgãos... Por exemplo, o Ministério Público cumpre o seu papel, e a Polícia Federal cumpre o dela. Quando descobrir coisas indevidas, divulgue.

Política econômica

Nós vivemos em um mundo em que ocorreu a maior crise econômica dos últimos 80 anos. Todos os países desenvolvidos tiveram retração de proporções gigantescas. Os emergentes, como o Brasil, resistiram bastante, mas foram atingidos também. Acontece hoje que estamos em uma política reativa à crise. O objetivo foi não deixar repetir o enredo de sempre, que era o seguinte: a crise acontece lá fora, nós aqui desmontamos toda a estrutura social do país, desempregamos, arrochamos salários, perdemos a capacidade de construir a retomada. Acredito que estamos construindo uma retomada, um novo ciclo de desenvolvimento.

Política social

O Brasil ganhou duas coisas: inclusão social e estabilidade macroeconômica – ninguém pode dizer que o Brasil é um país instável com US$ 380 bilhões de reserva, com taxa de câmbio flutuante e com a inflação dentro da meta há muitos anos. E, ao mesmo tempo, tiramos da miséria 36 milhões de pessoas e 42 milhões elevamos para a classe média, criando um excepcional mercado interno. Precisamos de algumas medidas que eu chamaria de medidas que vão aumentar a produtividade para garantir a estabilidade e aumentar também o grau de desenvolvimento social do país. Quais são essas medidas? Primeiro, temos de continuar investindo em infraestrutura. Agora, temos de partir para ferrovia e hidrovia, fundamentais para o escoamento da produção. Temos de continuar investindo em banda larga, porque infraestrutura não é só energia e petróleo.

Educação

Temos de ter uma política de educação. O Pronatec tem o objetivo capacitar a nossa força de trabalho, garantir um padrão de qualificação profissional que o Brasil não tem e que, para enfrentar o futuro e a retomada, vai precisar ter. O Pronatec, que já formou 8 milhões, vai formar mais 12 milhões, totalizando 20 milhões de pessoas qualificadas. Além disso, temos de investir no Ensino Superior, por conta de que o Brasil precisa de entrar na era do conhecimento. Nenhum país do mundo chegou a desenvolvido sem três pilares. Primeiro, crianças tem de ter creche. Além disso, tem a alfabetização que precisa ser na idade certa. Terceiro: não há país que chegou a se desenvolver sem educação em tempo integral. Para isso, precisa de dinheiro. Dinheiro nós conseguimos, destinamos 75% dos royalties do petróleo para a educação.

Reforma tributária

O Brasil tem de se desburocratizar. Nós precisamos simplificar processos, modernizar o Estado... Acho que o Supersimples é o grande início da reforma tributária desse país. Nós, nesse processo, colocamos todos os setores dentro do Supersimples. Você precisará ter no Brasil um processo tributário – vou chamar de processo porque ele pode ser composto de reformas ou de leis que vão levando para frente algo que você não consegue fazer, porque tem uma discussão distributiva no Brasil que bloqueia uma porção de coisas. Acredito que a gente vai avançando. Se perceber que dá para fazer reformas, façamos. Estamos avançando parcialmente. A decisão de tornar perene a desoneração da folha de pagamento tem um objetivo nessa retomada, que é baratear o custo da mão de obra. O Brasil vai passar por um novo ciclo, que tem a ver com a melhoria da competitividade produtiva.

Piso do magistério

Eu acredito que o Brasil, sem valorizar professor, não melhora a educação. E acho que temos uma chance grande de melhorar a educação, de melhorar o salário. Mas não é só melhorar salário, é melhorar as exigências também, no que se refere ao professor na sala de aula, ao professor fazendo curso, tendo um bom desempenho... A lei do piso é uma visão que eu diria não de futuro para o professor. Vamos ter de ter uma política aberta e discutida para o professor, que terá de ter uma forma pela qual nós vamos remunerar sistematicamente, garantindo status e formação. Então, não é a lei do piso, é a lei da qualidade da educação. É essa lei que eu acho que vai mudar o Brasil. Temos de dar ao professor a categoria que ele não tem, e temos de fazer isso usando o dinheiro do petróleo, porque é um dinheiro que não é permanente. Temos de transformar uma riqueza finita em uma riqueza permanente.

Saúde pública

Tem um problema no Brasil que agora apareceu no Hospital da Restinga – mesmo a 20 quilômetros do centro de Porto Alegre –, que o médico tem dificuldade de ir para a Restinga. O que aconteceu no Brasil? Nós olhamos a relação médico-população, que é uma das menores. Tem pouco médico para muita população. Assim como não tem educação sem professor, não tem saúde sem médico. Fizemos o Mais Médicos, que tem por objetivo resolver, no Brasil inteiro, essa carência de médico. Se um hospital do porte e da qualidade do Hospital da Restinga reclama que não tem acesso, imagina um posto médico da cidade de Tiradentes, lá em São Paulo. Hoje, o programa tem 14 mil médicos, o que significa cobrir 50 milhões de pessoas. Temos de formar mais médicos no Brasil. Nossa meta é, até 2015, abrir 11,5 mil vagas. Quem diz que o Mais Médicos tem prazo de validade é porque não entende essa política. Agora o nosso próximo passo é resolver o acesso da população ao especialista e ao laboratório. No que se refere aos hospitais, eu acredito vamos ter de fazer política de expansão dos hospitais, em que seja permitido hospital público, PPP, hospital privado, em larga escala. Temos de ter recursos múltiplos e há de ter também visão de fortalecimento do SUS – o programa Mais Médicos é para isso –, mas tem que perceber que o setor da medicina privada tem lá sua importância, porque cuida de milhões de brasileiros.

Reajuste na tabela do SUS para hospitais filantrópicos

Os hospitais pedem, e o SUS avalia. Acho que, sempre que possível, há reajuste. Não estou dizendo que vou reajustar. Fizemos para eles a maior e melhor renegociação dos últimos tempos e trocamos parte da dívida por leitos.

Crise na Petrobras

Acho gravíssimo politizarem uma discussão desse tipo. E não acho responsável. Espero que não se faça política nesse assunto. A Petrobras é maior empresa desse país, e a Maria das Graças Foster tem méritos inequívocos. A Petrobras está em uma linha de crescimento irreversível, porque todas as providências foram tomadas para que isso ocorresse. Não vou fazer nenhum julgamento sobre uma pessoa da qualidade da presidente Maria das Graças Foster baseado em avaliações que acho questionáveis.


PRESIDENTE DA REPÚBLICA E CANDIDATA DO PT À REELEIÇÃO

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